“USP Pensa Brasil”: Antropoceno em pauta

Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP

 07/08/2024 - Publicado há 2 meses     Atualizado: 12/08/2024 às 16:41

Realizado em fevereiro de 2000, no México, o colóquio do Programa Internacional Geosfera-Bioesfera ficou marcado como o momento em que o prêmio Nobel e químico de atmosfera, Paul Crutzen, defendeu a ideia de que não vivíamos mais no Holoceno. Para o químico, o Antropoceno era a nova era geológica que trazia presentes registros da intervenção dos seres humanos sobre o planeta Terra.

Essa é a narrativa que abre o livro O Acontecimento Antropoceno: a Terra, a história e nós, de Christophe Bonneuil e Jean Baptiste Fressoz. O livro não é especialmente novo, a primeira edição francesa é de 2013, e uma segunda edição ampliada foi publicada em 2016. Não obstante, sua tradução para o português, pelas editoras Quina e Unicamp, chegou ao público brasileiro somente em 2024.

A obra é, sem dúvida, uma excelente introdução para o assunto e para toda a etimologia de temas ambientais. Como defendem os autores, com a afirmação de Paul Crutzen sobre a existência do Antropoceno, não nascia uma nova palavra, ou uma nova era geológica, mas nascia uma denúncia política sobre as perspectivas de futuro. Para Crutzen, a partir de 1784, com a criação da máquina a vapor de James Watt, os indivíduos passaram a provocar mudanças na dinâmica da natureza, passaram a ter uma força geológica de significativo impacto.

Muito bem documentada, a obra de Bonneuil e Fressoz recupera dados e evidências do inegável crescimento do desequilíbrio do tempo geológico – aumento da temperatura, mudanças climáticas, degradação dos ecossistemas – que afetam e colocam em risco a própria existência humana.

Os autores também percorrem “histórias para o Antropoceno”, demonstrando como o modelo de sociedade construído a partir da Revolução Industrial tem pressionado o meio ambiente em diversas dimensões: nas formas de geração de energia – a vapor e a combustão – com elevação da produção de gás carbônico; na indústria da guerra, que criou tecnologias de ampla capacidade de destruição da natureza e de vidas; no elevado uso dos recursos exigidos pela sociedade de consumo, especialmente disseminada na segunda metade do século 20; na “economização do mundo”, naturalizando a ideia de um crescimento econômico indefinito.

Com o Antropoceno, a separação entre os seres humanos e a natureza, como tão advogado por economistas que tratam a degradação ambiental como externalidade, passa a ser questionada. O meio ambiente se transforma em um sistema terra, em que os limites ambientais devem ser explicitados na reflexão sobre a existência humana.

O sistema construído a partir da sociedade industrial, se produziu inegáveis transformações para o bem-estar social de parcela da sociedade, por outro lado, como afirmam os autores, foi ainda o responsável por “desequilíbrios na escala dos tempos geológicos que alterarão radicalmente as condições da existência humana”. A chamada “crise ambiental”, nesse sentido, deixa de ser um desafio passageiro, remediado por soluções baseadas no cálculo econômico e no mercado. O enfretamento da crise exige “novas humanidades ambientais e novas radicalidades políticas”, instrumentos necessários para superar os impasses produzidos pelo capitalismo.

O Antropoceno como um acontecimento geo-histórico permite responsabilizar a ação humana e o modelo de sociedade construída nos últimos dois séculos pelos inegáveis desequilíbrios nos ecossistemas. Permite iluminar os limites existentes nas promessas da modernidade e na ideia de progresso, ideais perseguidos e difundidos ao longo de todo o século 20. A nova era geológica, advogada pelo novo conceito, é o espaço para a criação de uma nova epistemologia, necessária para um novo projeto de sociedade do século 21.

O Antropoceno no USP Pensa Brasil

No último dia do seminário USP Pensa Brasil, 16 de agosto de 2024, a mesa Existe um desenvolvimento verde? deve tratar, em grande medida, de temas lançados por Bonneuil e Fressoz.

A atual discussão em torno de um desenvolvimento verde polariza posições daqueles que acreditam na capacidade dos seres humanos de criar tecnologia e mecanismos para reverter a trajetória das mudanças climáticas e outros que apontam a necessidade de transformações mais profundas no modelo de produção e consumo de nossa sociedade contemporânea.

A mesa será composta com Ricardo Abramovay, professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP; Beatriz Macchione Saes, professora da Unifesp e presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica; Adriana Ramos, secretária executiva do Instituto Socioambiental; Joênia Wapichana, presidente da Funai; e mediada pela jornalista e repórter da editoria de Ambiente da Folha, Jéssica Maes.

Ao terminar o evento com a questão “Existe um desenvolvimento verde?”, USP Pensa Brasil apresenta para a COP 30 não somente um conjunto de propostas e de resultados de pesquisa produzidos pela Universidade de São Paulo, mas garante o espaço para que a reflexão sobre outros projetos de futuro também se faça presente.

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